* Prof. Esp. Matheus Souza
INTRODUÇÃO
Hoje, quando o local se encontra no epicentro do fenômeno da globalização, pensar no internacional é uma obrigação muitas vezes negligenciada pelas administrações das cidades brasileiras. Faz-se necessário saber quais são as implicações locais de acontecimentos que parecem distantes. Ameaças e oportunidades podem decorrer destes, e é essencial que as cidades estejam prontas para rechaçar as primeiras e aproveitar as segundas. É no local que os efeitos do global se fazem sentir.
Por este prisma, uma política local de internacionalização se faz necessária e mais legítima frente a uma política de internacionalização local. Esta somente deve se dar como conseqüência da primeira. É preciso definir antes qual sua identidade para, depois, definir melhor quais os seus interesses. Do contrário, as cidades serão apenas atores passivos no processo de globalização. Segundo Santos (2000, p. 81), “com a globalização todo e qualquer pedaço da superfície da Terra se torna funcional às necessidades, usos e apetites de Estados e empresas nesta fase da história”. Ficar à deriva num mar de interesses globais pode significar um choque contra rochedos mortais. A globalização pode ser perversa, como já alertou Milton Santos. Segundo ele, “num mundo globalizado, regiões e cidades são chamadas a competir e, diante das regras atuais da produção e dos imperativos atuais do consumo, a competitividade se torna também uma regra da convivência entre as pessoas” (SANTOS, 2000, p. 57).
Como agir em tal circunstância é a grande questão. As cidades ou regiões têm, entretanto, uma saída. A globalização também traz oportunidades, e a cooperação internacional descentralizada[i] é uma delas. Mas, para aproveitá-la com eficiência e eficácia, visando uma efetividade de seus benefícios, é necessário formular uma política local de internacionalização.
COMO FORMULAR UMA POLÍTICA LOCAL DE INTERNACIONALIZAÇÃO?
Segundo Corella (2007), a construção de uma política[ii] de internacionalização é dividida em quatro etapas: conscientização política; identificação de necessidades locais; articulação e participação dos cidadãos; e estabelecimento de uma estrutura administrativa com orçamento próprio.
No que concerne à primeira etapa, não seria novidade afirmar que vontade política é necessária para que se crie uma estratégia local de internacionalização. O que se constitui como indispensável, portanto, é fazer com que as hierarquias políticas locais tomem consciência da necessidade, importância e potencialidades da projeção internacional do território[iii]. Com tal conscientização garantida, a vontade e o comprometimento políticos devem ser auferidos.
Fortalecido este aspecto da base da construção de uma estratégia local de internacionalização, parte-se para a segunda etapa. Para se fazer um diagnóstico das necessidades e prioridades locais, deve-se: identificar quais as ameaças e oportunidades apresentadas pelo ambiente internacional, explicitando quais os impactos de ambas na cidade, e qual sua capacidade de resposta; identificar quais os pontos fortes e fracos (caráter interno), definindo os limites e potencialidades da cidade; e, por fim, identificar, com base nos processos anteriores, quais as prioridades estratégicas da localidade na sua internacionalização. Uma vez seguidos esses passos, a atuação internacional do território local terá um propósito mais bem definido e articulado.
A participação dos cidadãos, terceira etapa, induz a um melhor uso dos recursos locais[iv], além de facilitar a identificação das necessidades, variável tratada acima. Neste ponto, as etapas dois e três podem se constituir numa só. Quando os cidadãos descrevem, democraticamente, quais suas necessidades prioritárias, a ação do poder público tem a chance de ser mais legítima. Se uma dada comunidade afirma que precisa de saneamento básico, o governo deverá focar seus esforços na conversão de recursos para tal fim, e não para construção de jardins. Corella (2007) apresenta quatro modalidades de participação dos cidadãos: comunicação/divulgação das ações do governo, através da imprensa, por exemplo; consulta à população, por meio de pesquisas; diálogo entre poder público e cidadãos; e parcerias entre os mesmos. São canais através dos quais a construção e a implementação de uma política verdadeiramente local de internacionalização podem ser democraticamente trabalhadas.
Por fim, o estabelecimento de uma estrutura administrativa com orçamento próprio é necessário. Tal institucionalização significa a formalização da política internacional local. Isto tem um significado muito positivo frente a possíveis parceiros externos, pois demonstra seriedade e compromisso. Uma vez detalhados pontos fortes e fracos, oportunidades e ameaças[v], e identificadas e legitimadas – através da participação dos cidadãos – as necessidades e prioridades locais, a cidade poderá atuar com maior desenvoltura, consistência e objetividade na arena internacional.
CONCLUSÃO
Com base na sua estratégia o local atuará no global. A municipalidade poderá, assim, identificar quais os canais ou parceiros (multilaterais ou bilaterais) são interessantes; onde estão os recursos, viabilizados através da cooperação internacional, que podem ser úteis; quais atores podem cooperar em âmbito técnico; quais localidades padecem dos mesmos problemas, etc. A cooperação é uma oportunidade potencializada pela globalização, mas para aproveitá-la deve-se estar preparado. Do contrário, iniciam-se parcerias que podem chegar a lugar nenhum. Santos (2000, p. 80) afirma que:
Os territórios tendem a uma compartimentação generalizada, onde se associam e se chocam o movimento geral da sociedade planetária e o movimento particular de cada fração, regional ou local, da sociedade nacional. Esses movimentos são paralelos a um processo de fragmentação que rouba às coletividades o comando do seu destino, enquanto os novos atores também não dispõem de instrumentos de regulação que interessem à sociedade em seu conjunto.
As administrações locais devem, portanto, estar alertas e conscientes de sua colocação neste processo: como se dá a relação entre o movimento particular de sua sociedade e o movimento geral da sociedade planetária. É preciso que estejam bem preparadas para operar em beneficio próprio dentro desta lógica.
[i] Pode ser definida como a cooperação desenvolvida por órgãos governamentais não-centrais, como cidades, províncias, estados, etc. Também é o nome dado à cooperação exercida por setores específicos do governo central, por exemplo, Ministério da Saúde do Brasil com o Ministério da Saúde da França. A definição utilizada neste artigo é a primeira.
[ii] Ou estratégia, termo usado pela autora.
[iii] CORELLA, 2007, p. 5.[iv] Ibid., p. 12.[v] A chamada análise SWOT, do inglês Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threats.
REFERÊNCIAS
CORELLA, Beatriz Sanz. From an international cooperation strategy down to the project: a set-up for action. Barcelona: Diputació de Barcelona, 2007.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.
* Matheus Souza, professor do curso de Relações Internacionais da UNIJORGE e pesquisador do Instituto de Pesquisas Sociais (IPS), é formado em Relações Internacionais pela UNIJORGE e especialista em Política e Estratégia pela Universidade Estadual da Bahia.